09/07/2016

Aumentam as evidências de que pernilongo também pode transmitir Zika



Elton Alisson, de Porto Seguro (BA) | Agência FAPESP – O mosquito Aedes aegypti tem sido apontado como o principal vetor do vírus Zika, que, estima-se, infectou até junho 49 mil pessoas dentre 139 mil casos notificados no Brasil, e causou o nascimento de 1,6 mil crianças com microcefalia em 582 municípios.

Mas, além do Aedes aegypti, o Zika também pode ter outros vetores, como o mosquito Culex quinquefasciatus, conhecido popularmente como pernilongo ou muriçoca, sobre o qual crescem as evidências de que pode estar envolvido na emergência do vírus no país.

O alerta foi feito por Constância Flávia Junqueira Ayres Lopes, pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães (IAM) da Fiocruz em Recife, Pernambuco, em uma mesa-redonda sobre “O mosquito, o vírus e o que temos para combatê-los”, durante a 68ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre até o próximo sábado (09/07), no campus de Porto Seguro da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

“Há sérias dúvidas se o Aedes aegypti é um vetor exclusivo do vírus Zika”, disse Lopes. “Em ambientes silvestres várias espécies de Aedes estão implicadas no processo de transmissão. Por que em ambientes urbanos somente uma espécie estaria envolvida?”, questionou.

De acordo com a pesquisadora, o mosquito Aedes aegypti começou a ser incriminado como vetor do vírus Zika em1947, quando foi encontrado em uma floresta com nome homônimo em Uganda, na África, por pesquisadores financiados pelo Instituto Rockefeller, dos Estados Unidos.

Os pesquisadores estavam tentando isolar o vírus da febre amarela e, para isso, estudaram mosquitos de espécies de Aedes, velhos conhecidos como transmissores da doença.

Ao analisar o material coletado, eles observaram que o vírus que isolaram era diferente e o batizaram de Zika em homenagem à floresta onde foi descoberto.

Desde então, diversos outros isolamentos do vírus Zika foram feitos a partir de diferentes espécies de Aedes, como o Aedes africanus, contou a pesquisadora.

Em 1966, quando houve a primeira emergência do vírus Zika, na Malásia, foram analisados inúmeros pools de mosquito no país asiático e identificado apenas um como Aedes aegypti.

Já nas epidemias mais recentes do vírus Zika, como em 2007, na Micronésia, na região do Pacífico, quando cerca de 70% da população da ilha de Yap, com população de 7,3 mil pessoas, foi infectada, não foi encontrado nenhum pool de Aedes aegypti, afirmou a pesquisadora.

“Na verdade, há pouquíssimos mosquitos Aedes aegypti na Micronésia. Há outras espécies de Aedes na região, mas o Aedes aegypti é muito raro na maioria das ilhas e completamente ausente nas ilhas onde houve uma grande ocorrência de casos de infecção pelo Zika vírus”, disse.

Quando ocorreu a epidemia, Lopes entrou em contato com pesquisadores da região a fim de saber qual era a espécie de mosquito mais abundante por lá. A resposta dos pesquisadores foi o Culex quinquefasciatus, que não tinha sido investigado como um vetor do vírus Zika.

“A questão é que todo mundo que estudou a circulação do vírus Zika antes só olhou para as espécies de Aedes. Como esses mosquitos já são conhecidos como vetores de dengue, chikungunya e febre amarela, por que não seriam também do Zika?”, explicou Lopes.

No início da emergência do Zika no Brasil, a pesquisadora decidiu investigar se o Culex quinquefasciatus também poderia transmitir o vírus. O mosquito é 20% mais abundante do que o Aedes aegypti no ambiente urbano e é vetor de outros arbovírus (transmitidos essencialmente por artrópodes), como o do Oeste do Nilo e da encefalite japonesa, que são próximos do vírus Zika.

Além disso, começou a chamar a atenção da comunidade científica e da Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio de cartas publicadas em revistas como Lancet, sobre a urgência e a necessidade de se investigar outras espécies de mosquito que também podem ser vetores do vírus Zika, e não apenas o Aedes aegypti .

“Até então, infelizmente, a comunidade científica e a OMS estavam focando só o Aedes aegypti e todo o combate ao vírus Zika foi voltado exclusivamente para essa espécie de mosquito, negligenciando uma série de outras, como o Culex quinquefasciatus”, afirmou Lopes.

Os resultados dos ensaios realizados pelos pesquisadores, em que foram infectados, em laboratório, mosquitos Culex quinquefasciatus e Aedes aegypti com Zika para comparar suas capacidades de transmitir o vírus, indicaram que o desempenho das duas espécies é muito semelhante.

Os pesquisadores conseguiram observar a presença do vírus Zika na glândula salivar dos mosquitos Culex quinquefasciatus e Aedes aegypti três dias após infectados.

“Esse ciclo é menor do que o do vírus da dengue, que leva entre 10 a 15 dias para vencer as barreiras de resistência e chegar à glândula salivar dos mosquitos. O pico de surgimento do vírus Zika na glândula salivar dos insetos ocorre sete dias após serem infectados”, detalhou Lopes.

A fim de verificar se o vírus Zika era capaz de sair da glândula salivar e ser encontrado na saliva dos mosquitos, os pesquisadores realizaram um teste em que expuseram os insetos a um papel filtro coberto com mel e um antibiótico.

Ao se alimentar do mel, os mosquitos depositavam saliva no papel filtro, que era coletada e dela extraído o RNA.

O resultado do ensaio, em vias de ser publicado, aponta que o Zika está presente e com carga semelhante na saliva dos mosquitos Culex quinquefasciatus e Aedes aegypti.

“Como o Culex quinquefasciatus é mais abundante no ambiente urbano do que o Aedes aegypti, queremos saber agora qual tem maior importância no papel de transmissão do vírus Zika”, disse Lopes.

Os resultados dos estudos realizados pelos pesquisadores da Fiocruz foram apresentados à OMS, que recomendou à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) que outras espécies de mosquitos – principalmente o Culex quinquefasciatus – fossem investigados em regiões com casos registrados de infecção por vírus Zika no mundo.

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