Um grupo de pesquisadores conseguiu pela primeira vez mapear a transmissão da atividade neural entre áreas cerebrais afastadas, concluindo que o cérebro processa a informação visual de forma diferente do que se pensava, anunciou hoje a Fundação Champalimaud.
Esta investigação, cujos resultados são hoje publicados na revista Nature Neuroscience, foi desenvolvida por Leopoldo Petreanu, Nicolás Morgenstern e Jacques Bourg, neurocientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa.
Os pesquisadores conseguiram pela primeira vez mapear ligações neurais individuais entre áreas distantes no cérebro, revelando que a rede de ligações neurais do cérebro é mais complexa do que se pensava.
"Estes registos são as primeiras medições, à escala dos axônios individuais, da transmissão de atividade neural entre áreas cerebrais afastadas", afirma Leopoldo Petreanu.
Os axônios são os cabos através dos quais os neurônios transmitem o sinal nervoso para outros neurônios.
Segundo Leopoldo Petreanu, o objetivo dos investigadores é "perceber a estrutura do cérebro", mas o mapa que hoje é conhecido sobre as ligações neurais "ainda é muito tosco" e, exceto a nível local, ainda não se sabe "como é que cada axônio está ligado".
Agora, graças a uma nova técnica de estimulação neural, com recurso a feixes de laser, desenvolvida no seu laboratório, os autores conseguiram registar, no cérebro de ratinhos, a atividade de axônios individuais entre uma área do cérebro chamada tálamo e a parte do córtex visual que recebe, através do tálamo, a informação visual que chega à retina do olho.
O córtex visual possui uma estrutura em camadas. Uma dessas camadas, designada L4, é o ponto de entrada no córtex da maioria dos estímulos visuais.
Após os "inputs visuais" serem enviados do tálamo para L4, onde começam a ser processados, os sinais resultantes são transmitidos de L4 para uma outra camada, L2/3, onde o processamento prossegue.
O que até agora se pensava é que o processamento visual seria um fenômeno em série, sucessivamente realizado por diversas camadas do córtex visual, mas o que o novo estudo vem mostrar que não é isso que acontece, explica Leopoldo Petreanu.
O que os investigadores descobriram é que, quando um neurônio de L4 está ligado a um neurônio de L2/3, se um axônio proveniente do tálamo estiver ligado ao neurônio de L4, esse axônio "bifurca" e liga-se também, diretamente, ao neurônio de L2/3.
A existência destas ligações que "saltam uma camada" faz com que L2/3 receba não apenas o sinal visual processado em L4, como também os "sinais brutos", isto é, não processados, provenientes do tálamo.
"Este é o nosso principal resultado, e poderá ser uma forma de garantir uma grande especialização das células de L2/3 na detecção das características [do input visual]", diz o investigador.
Este tipo de estrutura em camadas e ligações que 'saltam uma camada' já havia sido estudado em redes neurais artificiais. Os investigadores acreditam que este é o tipo de estrutura em que funciona o córtex visual e provavelmente no processamento que o cérebro faz de outros tipos de inputs sensoriais, que não apenas do tipo visual.
Um outro resultado da investigação diz respeito à própria camada L4, que sabe-se que inclui pequenos grupos de neurônios interligados por conexões bidirecionais.
No entanto, os investigadores ainda não perceberam qual a função destes pequenos circuitos locais.
Uma hipótese é que funcionem como amplificadores de determinadas características da informação visual que chega aos olhos, como por exemplo, as margens dos objetos.
Contudo, fica ainda por descobrir como é que o fazem e como é que estes circuitos locais interagem com os sinais provenientes de outras áreas do cérebro para integrar a informação visual.
Fonte: Diário de Notícias