Há pouco mais de um ano, fãs de todo o mundo lotaram os cinemas para assistir a Jurassic World. O quarto filme da franquia Jurassic Park não fez feio perante seus antecessores e se tornou a estreia de maior bilheteria até então, arrecadando 524 milhões de dólares no primeiro final de semana, sendo ultrapassado seis meses depois por Star Wars: o Despertar da Força. Segundo o Internet Movie Database (IMDB), atualmente, Jurassic World é a quarta maior bilheteria da história do cinema, atrás ainda de Avatar e Titanic.
O primeiro filme, lançado em 1993, arrecadou mais de 900 milhões de dólares, se tornando o filme com maior bilheteria até aquele momento. Com mais de 20 prêmios, incluindo três Oscars, a produção fascinou os espectadores com a possibilidade de passear em meio a tricerátops, velociraptors e, é claro, ao temido tiranossauro, e moldou o imaginário de toda uma geração. Não são apenas a indústria do entretenimento e a cultura pop, entretanto, que foram fortemente influenciadas pela produção. O filme é um marco também para a Paleontologia.
O uso de tecnologias de computação gráfica para a reconstituição digital dos dinossauros gerou diversos questionamentos sobre a estrutura física dos animais. Uma das questões mais marcantes se refere à locomoção dos Tyranosaurus rex. Até então, apesar de diversas discussões entre pesquisadores, o tiranossauro era retratado em grande parte dos livros e museus com a postura quase ereta, com a coluna num ângulo de 45° e a cauda se arrastando no chão.
Esse panorama mudou quando os engenheiros e técnicos em computação gráfica do filme, responsáveis pela criação e modelagem dos dinossauros, demonstraram, por meio de modelos biomecânicos, que a postura “tradicional” era, de fato, inviável, e que o T-Rex só poderia andar com a coluna paralela ao solo. Até o Museu Americano de História Natural decidiu, pouco antes da estreia do filme, interditar temporariamente uma de suas maiores atrações em exposição, um esqueleto completo de Tyranosaurus rex, para que fosse remontado em uma postura diferente, igual à que viria a aparecer no filme.
A partir de então, a computação gráfica passou a se fazer cada vez mais presente nos estudos paleontológicos, com uma nova forma de abordar os fósseis e contribuições significativas para o estudo da vida pré-histórica. Na UFRGS, não é diferente. Modelos digitais vêm sendo utilizados há alguns anos no Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências em atividades de pesquisa e de divulgação científica, com trabalhos que reúnem paleontólogos e artistas gráficos.
A reconstituição digital de fósseis abre um leque de possibilidades para a Paleontologia. A partir da digitalização de ossos, por exemplo, é possível montar esqueletos inteiros de animais extintos, incluir algum pedaço faltante ou “consertar” pequenas falhas, para, então, analisar e mensurar fatores como o modo de andar ou correr, a força da mordida, o peso e a massa muscular do animal. Os modelos digitais também facilitam o compartilhamento de informações entre cientistas de diferentes instituições e a manufatura de réplicas. Ao trocar os usuais moldes de silicone pela computação gráfica e impressões 3D, é possível produzir cópias perfeitas em qualquer escala, sem expor os fósseis originais aos riscos de danos, frequentes nos processos tradicionais.
As técnicas utilizadas para a obtenção de modelos digitais incluem desde fotografias trabalhadas em softwares gráficos até o uso do que, de acordo com o professor do Instituto de Geociências Cesar Schultz, seria a grande revolução que a tecnologia está implementando na Paleontologia: a aquisição de imagens a partir da tomografia computadorizada e da varredura digital, tridimensional a laser.
Amplamente utilizada na Medicina, segundo Schultz, a tomografia traz uma série de possibilidades para a Paleontologia, a começar pelo acesso às partes internas dos fósseis. É possível, por exemplo, ver o interior das cavidades cranianas, avaliando a forma e o volume do cérebro, as rotas de passagem dos nervos e os vasos sanguíneos, analisar a anatomia dentária e a presença de dentes de substituição ainda dentro da mandíbula ou enxergar a presença de um embrião que nunca saiu de dentro do ovo.
A varredura a laser tem algumas desvantagens em relação à tomografia: é um processo mais lento e que permite somente a reprodução da morfologia externa dos materiais, mas é também mais acessível. Os Scanners 3D são menores, mais baratos e mais fáceis de operar. Um feixe de raios laser varre a superfície dos materiais, permitindo a composição de imagens tridimensionais em alta resolução de qualquer objeto e a obtenção de detalhes da superfície externa da casca de um ovo, do desgaste de um dente ou do padrão de textura da pele de um animal a partir da impressão deixada por ele em uma rocha, por exemplo.
Combinando as modernas técnicas de aquisição de imagens à computação gráfica, artistas podem trazer à vida animais extintos há milhões de anos, dando músculos, pele, texturas, cores e movimentos a esqueletos virtuais, a exemplo do que foi feito no projeto O Rio Grande do Sul no tempo dos dinossauros. Realizado em parceria com o Instituto de Artes, o trabalho começou em 2003 e tem como objetivo a divulgação dos fósseis de tetrápodes do estado a partir da confecção de imagens digitais com reconstituições dos animais e dos ambientes em que viviam. Artistas plásticos e especialistas em computação utilizaram softwares gráficos e de animação para desenvolver modelos dos animais em 3D com alto nível de fidelidade ao original. “O interessante é que os artistas começaram a fazer perguntas sobre coisas que não parávamos para pensar. Qual a cor dos olhos dos dinossauros? E a cor da pele? Qual era o formato das pupilas?”, conta Schultz.
Se você também se pergunta a mesma coisa, estas são as respostas: segundo o professor, os artistas tiveram liberdade para escolher entre olhos azuis, castanhos, verdes e pretos, pois “não há muita variação de cor dos olhos na natureza; os olhos da maioria dos animais costumam ser de uma dessas cores”; sobre a pele, “antigamente se usavam sempre as mesmas cores – marrom, verde… Mas os dinossauros estão ficando cada vez mais coloridos. Hoje se sabe, a partir de estudos do interior do crânio desses animais, que eles têm muitas semelhanças com as aves, por isso se adotam os mesmos parâmetros de cores: os que viviam em meio a florestas são mais coloridos, e os de planícies, de cores mais neutras”; em relação às pupilas, a resposta é mais difícil: “Até deve haver alguma lógica, mas não temos como saber. Falamos para fazerem as pupilas da forma que quisessem”, explica Schultz.
Diversas teses, dissertações e artigos científicos também foram desenvolvidos na Universidade utilizando técnicas de digitalização de fósseis, como a dissertação de mestrado de Alexandre Liparini, que estudou a mastigação e as possibilidades de movimento entre os ossos do crânio de um rauissuquídeo a partir de modelos animados, criados com o uso de tomografias computadorizadas e de programas específicos de modelagem 3D. Outros exemplos são as teses de doutorado de Téo Veiga de Oliveira e de Pablo Gusmão Rodrigues. Téo estudou a postura e a locomoção em cinodontes, enquanto Pablo estudou a evolução dos mamíferos a partir de reconstituições digitais do encéfalo e da orelha interna de um cinodonte.
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Por Camila Raposo/UFRGS
Foto: Ramon Moser/UFRGS