Ao ouvir palavras humanas, os cães conseguem distinguir não apenas o significado da entonação, mas também o vocabulário, de acordo com um novo estudo publicado nesta segunda-feira, 29, na revista Science. De acordo com os autores, assim como as pessoas, os cães utilizam o hemisfério esquerdo do cérebro para processar palavras e uma região do hemisfério direito para processar a entonação.
A descoberta foi realizada por um grupo de cientistas da Hungria. Segundo eles, os resultados sugerem que os mecanismos neurais utilizados para processar as palavras podem ter evoluído muito antes do que se imaginava - e não são exclusivos dos cérebros humanos.
"Aprender o vocabulário parece não ser uma capacidade unicamente humana atrelada ao surgimento da linguagem, mas uma função mais antiga, que pode ser explorada para ligar determinadas sequências arbitrárias de sons a significados", afirmou o autor principal do estudo, Attila Andics, da Universidade Eötvös Loránd, em Budapeste.
Segundo Andics, o estudo mostra que em um ambiente rico em fala, como aquele onde vivem os cães domésticos, a representação do significado das palavras pode emergir no cérebro, mesmo em mamíferos não-primatas que não são capazes de falar.
Durante o processo de fala, há uma distribuição bem conhecida das atividades no cérebro humano, de acordo com Andics. "O processamento do significado das palavras é feito principalmente pelo lado esquerdo do cérebro, enquanto a entonação é processada pelo lado direito", afirmou.
"O cérebro humano não apenas analisa separadamente o que dizemos e como dizemos, mas também integra os dois tipos de informação para chegar a um significado unificado. Nossa descoberta sugere que os cães também podem fazer tudo isso e utilizam mecanismos cerebrais bastante semelhantes", declarou Andics.
A etologista Márta Gácsi, outra das autoras do estudo, desenvolveu o método de treinamento que permitiu realizar o experimento com os cães. "Treinamos 13 cães para permanecerem completamente imóveis em um equipamento de imagem por ressonância magnética funcional. Essa técnica nos oferece uma maneira não-invasiva e inofensiva para fazer as medições sem incomodar os cães", afirmou Márta.
Segundo ela, com essa tecnologia, a equipe de pesquisadores mediu a atividade cerebral dos cães enquanto eles ouviam a fala de seus donos. Os animais ouviram palavras com diversas combinações de vocabulário e entonação.
Os donos foram instruídos a dizer, por exemplo, palavras de aprovação com uma entonação de aprovação, palavras de aprovação com uma entonação neutra, palavras neutras - como conjunções, sem significado para os cães - com uma entonação de aprovação e palavras neutras com entonação neutra.
"Nós procuramos regiões do cérebro que fizessem distinção entre palavras com sentido e sem sentido, ou entre entonações de aprovação e de reprovação", explicou a cientista.
As imagens de ativação do cérebro mostraram que os cães preferem usar o hemisfério esquerdo para processar as palavras com sentido, mas não as desprovidas de sentido. A tendência à esquerda estava presente em níveis fracos e fortes de ativação cerebral - e era independente da entonação.
Os cães ativaram uma área do hemisfério direito do cérebro para diferenciar a entonação de aprovação e de reprovação. A região coincide com a área do cérebro usada pelos cães para processar sons ligados à emoção, provenientes tanto da fala humana como de outros cães. Segundo os autores, isso sugere que os mecanismos de processamento da entonação não são específicos da fala.
Os cientistas também observaram que, nos cães, o centro de recompensas - a região do cérebro que responde a todo tipo de estímulo ligado ao prazer - era ativado pelas palavras de aprovação.
"Isso mostra que, para os cães, uma boa palavra de aprovação pode funcionar como uma recompensa. Mas funciona melhor se a palavra também for dita com uma entonação de aprovação. Os cães não apenas processam o que dizemos e como dizemos, mas também combinam as duas coisas para fazer uma interpretação correta do que significam realmente todos aqueles sons. É muito parecido com o que fazem os cérebros humanos", disse Andics.
Segundo os autores, o estudo é o primeiro passo para compreender como os cães interpretam o discurso humano e os resultados podem ajudar a tornar mais eficiente a comunicação entre cães e humanos.
A pesquisa também traz conclusões sobre os humanos, segundo Andics. "Nosso estudo traz novo conhecimento sobre a emergência das palavras na evolução da linguagem. O que faz as palavras serem uma característica única dos seres humanos não é uma capacidade neural especial, mas a nossa invenção de fazer uso delas", disse o cientista.
Fonte: DM24am