Uma pesquisa conduzida na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), com apoio da FAPESP, pode tornar possível o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer.
Atualmente, ainda não há marcadores biológicos ou exames de imagem disponíveis na rotina clínica para detectar o avanço do processo degenerativo cerebral. O diagnóstico é feito apenas quando já há sinais de declínio cognitivo – basicamente por exclusão de outras condições que causam perda de memória e demência.
“Estima-se que quando os pacientes começam a manifestar sintomas de comprometimento cognitivo cerca de 50% dos neurônios já morreram. E, a essa altura, não há muito mais o que fazer. Porém, se conseguirmos detectar o processo degenerativo ainda no início, as chances de estabilizar sua progressão com as drogas hoje disponíveis são muito maiores”, disse à Agência FAPESPLuciana Malavolta Quaglio, professora do Departamento de Ciências Fisiológicas da FCMSCSP.
Alguns resultados do trabalho coordenado por Malavolta foram apresentados dia 30 de agosto, em Foz do Iguaçu, durante a 31ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE).
Em seu laboratório, a pesquisadora sintetizou pequenos fragmentos peptídicos capazes de serem atraídos por um peptídeo maior, conhecido como beta-amiloide, que desempenha papel crucial no desenvolvimento da doença de Alzheimer.
Por motivos ainda não totalmente compreendidos pela ciência, as moléculas beta-amiloide naturalmente presentes no organismo começam a se agregar umas às outras, formando as chamadas placas beta-amiloidais. Esses agregados se acumulam no cérebro e causam uma série de alterações que, em conjunto com outros fatores, resultam na morte de neurônios.
O objetivo da pesquisa de Malavolta é desenvolver biomarcadores capazes de sinalizar em exames clínicos a presença das placas beta-amiloidais no cérebro.
“Estamos testando quatro diferentes fragmentos peptídicos – todos com poucos aminoácidos. Enquanto o peptídeo beta-amiloide tem cerca de 42 resíduos de aminoácidos, os nossos têm entre quatro e seis, pois, se forem grandes, não conseguem atravessar a barreira hematoencefálica (um conjunto de células extremamente unidas que protegem o sistema nervoso central de substâncias potencialmente tóxicas presentes no sangue) e chegar ao cérebro”, explicou Malavolta.
O desenho das moléculas foi concluído em 2011. Desde então, em colaboração com cientistas do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, Malavolta vem aperfeiçoando métodos de radiomarcação, ou seja, de ligar os fragmentos peptídicos a isótopos radioativos – o que possibilita acompanhar a distribuição do composto pelo organismo e realizar exames de imagem.
A estratégia é semelhante à dos exames de cintilografia usados para avaliar, por exemplo, a função renal ou cardíaca. Um composto radiomarcado com afinidade pelo tecido de interesse é injetado no organismo. Quando os elementos chegam ao órgão-alvo, as radiações emitidas são identificadas por um equipamento conhecido como câmara de cintilação e transformadas em imagens, que podem ser interpretadas pelos especialistas.
A radiomarcação tem sido feita com o radioisótopo tecnécio, elemento que emite radiação gama. Segundo Malavolta, esse isótopo tem sido bastante usado em exames de medicina nuclear para diagnóstico, pois tem meia-vida de seis horas – tempo suficiente para a realização do exame e para o paciente ter alta hospitalar no mesmo dia.
“Em média, as técnicas de radiomarcação de forma direta com tecnécio (na qual o radioisótopo é ligado diretamente na molécula) descritas na literatura científica alcançam um rendimento entre 60% e 65% [porcentagem de fragmentos que de fato permanecem ligados ao radioisótopo]. Nós conseguimos valores acima de 90%, o que é considerado bastante satisfatório no campo da medicina nuclear."
Ensaios pré-clínicos
Diversos testes in vitro e in vivo foram feitos para avaliar a estabilidade dos peptídeos radiomarcados e sua biodistribuição no organismo.
Em um dos experimentos, foi comparado um grupo de camundongos sadios e outro geneticamente modificado para desenvolver um quadro semelhante ao Alzheimer. Nesse modelo, para induzir a formação das placas beta-amiloidais no cérebro dos animais, é inserido no genoma do roedor uma mutação dupla na proteína APP (proteína precursora amiloidal), que dá origem ao peptídeo beta-amiloide.
Os fragmentos radiomarcados foram injetados nos dois grupos de animais e, após diferentes tempos, os pesquisadores faziam a contagem de radiação em cada um dos órgãos, com auxílio de um contador de radiação gama.
“Dependendo do fragmento, observamos que entre 3% e 5% das moléculas radiomarcadas conseguiram de fato chegar até o cérebro dos animais geneticamente modificados, o que é considerado um índice satisfatório. Atualmente, há radiofármacos usados em outros tipos de diagnósticos nos quais a porcentagem de especificidade fica em torno de 1%”, contou Malavolta.
Nos animais controle (sadios), segundo a pesquisadora, as atividades radioativas referentes aos peptídeos radiomarcados ficaram ao redor de 0.5% no cérebro.
Nos testes in vitro, o índice de interação dos fragmentos radiomarcados com as células cerebrais dos camundongos com Alzheimer foi de 50%. Já com as células dos camundongos sadios o índice ficou entre 10% e 12%.
Ao avaliar a interação dos fragmentos radioativos com as proteínas presentes no sangue dos roedores, o índice ficou em torno de 35% nos dois grupos.
“Nesse caso, quanto mais baixo for o índice, melhor, pois uma maior quantidade do composto fica livre para chegar ao alvo desejado. O resultado do experimento mostra que 65% dos nossos fragmentos peptídicos estão livres para percorrer todo o organismo. Alguns dos fármacos disponíveis atualmente apresentam 95% de interação com as proteínas plasmáticas, ou seja, apenas 5% das moléculas ficam livres e mesmo assim ainda conseguem ter alguma eficiência. Imagina quando se tem 65% do composto livre", comparou Malavolta.
Uma das estratégias que a pesquisadora pretende testar para aumentar a porcentagem de fragmentos radiomarcados que chegam ao cérebro é o encapsulamento em nanopartículas. Alguns testes iniciais já foram feitos.
Resultados preliminares da pesquisa apresentada na FeSBE também já foram publicados nos periódicos: Neurological Sciences,Neuropeptides, Journal of Peptide Science, Protein & Peptide Letters e Revista Brasileira de Psiquiatria, entre outros.
Fonte: Karina Toledo, de Foz do Iguaçu | Agência FAPESP