Com um nome aparentemente complexo e pouco conhecido, a doença
trofoblástica gestacional (DTG) é uma anomalia da gravidez que está mais
próxima de nós, mulheres, do que se imagina. Ela é uma espécie de erro no
processo de fecundação do óvulo pelo espermatozoide que, se não identificada e
tratada a tempo, pode se desenvolver em câncer e levar a paciente à morte.
Recente pesquisa do grupo de estudo de DTG, coordenado pelo médico
ginecologista e obstetra Antônio Rodrigues Braga Neto, conseguiu mapear os
casos da doença nos 38 Centros de Referência do País. Os números dão o tom da
gravidade do mal: a cada 200 mulheres que engravidam, uma desenvolve a DTG.
Nesse conjunto, 0,9% acabam morrendo em decorrência de complicações dessa
moléstia.
Há 11 anos, Antônio Braga se dedica ao estudo desta que virou
uma doença negligenciada e endêmica. Desde o retorno do pós-doutorado na
Harvard Medical School (2009) e no Imperial College of London (2012),
Braga coordena o terceiro maior Centro de Referência no mundo em DTG, no
Rio de Janeiro, constituído pela Maternidade Escola, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), e pelo Hospital Universitário Antônio Pedro, ligado à
Universidade Federal Fluminense (UFF).
O médico, que também é professor das duas instituições de
ensino (UFRJ e UFF), tem expandido suas pesquisas sobre a DTG e sua divulgação
na comunidade científica por meio dos auxílios
da FAPERJ obtidos em dois anos consecutivos. Em 2011, ele foi contemplado no
edital Pensa Rio – Apoio
ao estudo de Temas Relevantes e Estratégicos. Já em 2012, recebeu
financiamento por meio do programa de Apoio
às Instituições de Ensino e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio de Janeiro e
do Auxílio à Organização
de Evento Científico (APQ 2).
Os esforços do médico e de sua equipe de pesquisadores
geraram frutos. Este ano, eles publicaram cinco artigos em renomados periódicos
científicos na área de ginecologia e obstetrícia: o The Journal of Reproductive Medicine, o American Journal of Obstetrics and
Gynecology, o Gynecologic Oncology e o International Journal of
Gynecological Cancer, além de reconhecimento com o prêmio
Presidente da Academia Nacional de Medicina, maior honraria na área cirúrgica
dada a um médico brasileiro. O grupo liderado por Braga é o principal
núcleo de estudos dessa doença em toda a América Latina, realizando
investigações multicêntricas em nível nacional e internacional, e divulgando
estudos de ponta nessa área da medicina.
Segundo Braga, o Brasil aparece no ranking mundial como um dos
países com mais casos de DTG. "A doença é cinco vezes mais comum aqui do
que nos Estados Unidos e 10 vezes mais prevalente do que na Europa. Ainda não
sabemos o porquê dessa maior ocorrência no Brasil, mas as pesquisas já nos
mostram alguns fatores que explicam o maior desenvolvimento desse mal em certos
pacientes", afirma o pesquisador.
O professor explica que a doença é uma espécie de erro na
fertilização. No processo de fecundação, é quando o espermatozoide fecunda um
óvulo sem material genético (DNA). Ou então, dois espermatozoides fecundam um
mesmo óvulo sadio, levando à formação de uma célula com 69 cromossomos. Em
ambos os casos, não há a geração de uma gravidez normal e
sim um amontoado de células, um tumor. Por isso, a gestação não tem
como seguir e precisa ser interrompida.
Diferente do que se imagina, a DTG não é silenciosa. Já nas
primeiras semanas da suposta gestação, a mulher tem sintomas incomuns às
gestantes no início da gravidez, tais como pressão alta e hemorragia. Ao longo
das semanas, observa-se que a barriga da paciente cresce além do esperado e os
ovários formam cistos, o que provoca dor pélvica (na região da bacia).
"Em 80% dos casos, a doença trofoblástica gestacional tem
evolução benigna, que é a gravidez molar, que cura espontaneamente após o
esvaziamento do útero. Mas em 20%, ela pode apresentar a evolução maligna,
chamada neoplasia trofoblástica gestacional (o câncer da placenta) que, se não
tratada com rapidez, pode se espalhar pelo corpo, criando metástases, que
acometem principalmente o pulmão, a pelve, o fígado e o cérebro. Nesses casos
mais graves e avançados, as chances de cura ficam reduzidas", diz Braga.
Segundo o professor, algumas pistas sobre as causas do
desenvolvimento da doença vêm sendo investigadas. "Suspeitamos que
fatores nutricionais podem estar envolvidos. Parece que pacientes com uma dieta
pobre em vitamina A e proteínas teriam maior predisposição a desenvolver essa
anomalia", diz o pesquisador, que ressalta não haver qualquer tipo de
relação socioeconômica entre o perfil de mulheres acometidas pelo distúrbio.
Outra descoberta é que a doença é mais comum nas mulheres que
estão nas extremidades da idade fértil: adolescentes até 19 anos de idade e
mulheres com mais de 40 anos. "A relação da DTG com uma possível herança
genética é uma das hipóteses que também estão sendo investigadas, mas que ainda
precisa ser melhor estudada", acrescenta.
Segundo Braga, o número de diagnósticos da doença vem crescendo no
País, em função do aumento de pacientes captadas pelos Centros de Referências
de DTG e, principalmente, do maior acesso da população aos exames de
ultrassonografia. No entanto, o médico ressalta que a identificação precoce da
doença continua abaixo do desejado.
"Ainda recebemos muitos casos diagnosticados tardiamente, o
que aumenta a gravidade e as chances da paciente vir a óbito", afirma o
pesquisador, que antecipa que o projeto de um de seus orientandos de doutorado
prevê criar um banco de estatísticas nacional de mortes decorrentes dessa
doença.
Uma vez diagnosticada a anomalia no pré-natal, por meio de
ultrassonografia, a paciente, seja da rede pública ou particular, é encaminhada
para o Centro de Referência de assistência à doença. Lá, ela é submetida a
aspiração uterina. Após o procedimento, será preciso ainda verificar se a
anomalia não evoluiu para a forma maligna, o câncer da placenta.
"Sabemos que a doença pode seguir para a cura ou para o câncer.
Diagnosticamos isso por meio da dosagem de um marcador tumoral, a gonadotrofina
coriônica humana (hCG). Se ele cair e se normalizar após o procedimento de
aspiração uterina, a paciente está curada. Caso contrário, o tratamento deverá
ser complementado com quimioterapia", explica Braga.
O pesquisador salienta que o SUS (Sistema Único de Saúde) vem
realizando atendimento de excelência na área, reconhecido, inclusive, pela
Associação Brasileira de Doença Trofoblástica Gestacional e pela International
Society for the Study of Trophoblastic Disease, a associação internacional que
estuda a doença. "Todo o tratamento é público e gratuito", frisa o
médico, que aposta no diagnóstico precoce e nos estudos de pesquisadores de
ponta para reduzir os casos deste sério problema de saúde pública nacional.