A propagação explosiva da zika nas Américas está levantando questões sobre quais são as melhores maneiras de controlar essa e futuras epidemias. Primeiramente, nós precisamos identificar quais são os fatores que contribuem para a disseminação da zika e entender onde e quando eles acontecem. Com esse conhecimento, nós podemos efetivamente direcionar nossos recursos para lutar contra a doença e controlar sua propagação.
O zika vírus é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. A habilidade de sobrevivência desse mosquito e seu potencial para transmitir vírus são altas, dependendo das condições ambientais, especialmente do clima e das práticas culturais locais.
Variáveis como temperatura, precipitação, vegetação, cobertura terrestre e uso do solo afetam o número de mosquitos presentes e sua habilidade de transmitir vírus. Hoje, essas variáveis podem ser calculadas por sensores remotos em satélites, aviões e veículos aéreos não tripulados. Assim, nós podemos estimar a probabilidade da presença do mosquito e da transmissão da doença.
Minha equipe de pesquisa anterior utilizou dados colhidos por satélites e aviões para identificar a quantidade de mosquitos do tipo Aedes aegypti na região central do México em 2011. Minha equipe de pesquisa atual está trabalhando para identificar as áreas de riscos da dengue na Colômbia. Essas mesmas técnicas podem ser usadas para prever onde a zika pode se espalhar.
Monitorando condições ambientes de longe
Dados capturados via satélite e a partir de métodos aéreos – técnica que na comunidade científica é chamada de detecção remota – são menos precisos em comparação com os dados coletados no solo, que são geralmente reunidos por pessoas que tomam medidas do local e utilizam dispositivos automáticos de monitorização. Porém, em vários locais, a prática não é viável ou há poucos recursos para gerar dados úteis. Isso torna o sensoriamento de dados a melhor ou a única opção disponível e também permite que os cientistas cubram áreas geográficas grandes por longos períodos de tempo e por um custo muito baixo a partir da conveniência de seu escritório.
O monitoramento das condições ambientais, como a temperatura e a precipitação, que acolhem populações de mosquitos portadores de doenças é fundamental para prevenir ou diminuir surtos. A atual epidemia da zika já está espalhada pelas áreas tropicais das Américas, como Brasil e México.
A partir do monitoramento é possível identificar antecipadamente os locais onde os mosquitos podem prosperar. Flutuações nas precipitações e na temperatura são extremamente dependentes das temperaturas da superfície do mar sobre a área tropical leste do Oceano Pacífico, também conhecido como oscilação El Niño – condições meteorológicas que podem ser monitoradas por um satélite.
A literatura sugere que existe uma relação direta entre El Niño e o mosquito portador de doenças como a dengue. As temperaturas mais altas relacionadas a El Niño favorecem o mosquito portador do vírus, aumentando a sua sobrevivência, estendendo o tempo durante o qual o mosquito adulto pode transmitir o vírus – e, ao acelerar o ciclo de vida, eles podem transmitir os vírus antes.
O mesmo mosquito que transporta a dengue, o Aedes aegypti, também carrega a zika, bem como a febre amarela e o chikungunya. Em função das condições severas da corrente El Niño, o timing deste surto de zika não parece coincidência.
Reprodução do mosquito em áreas úmidas e secas
A relação entre El Niño e a zika parece estar menos direcionada ao exame inicial de tendências de precipitação nas áreas afetadas. Há precipitações acima da média em algumas áreas, como no Equador, mas precipitações abaixo da média em outras, como em minha cidade natal Cartagena, na Colômbia, onde o surto está atingindo níveis alarmantes.
Parece lógico suspeitar que precipitações mais elevadas iriam encher vários recipientes com água da chuva, proporcionando mais locais de reprodução de mosquitos. Porém, por que a zika está se espalhando em lugares com precipitações abaixo da média durante os eventos de El Niño?
Uma razão pode estar relacionada com os ambientes que esse mosquito prefere, que são tipicamente dentro e em torno de residências humanas e os locais com água limpa que eles fornecem, como vasos de flores, pneus e reservatórios de água.
Na verdade, em algumas áreas, as pessoas tendem mais a usar reservatórios de água durante períodos secos. Incapazes de depender da precipitação frequente ou do abastecimento de água municipal, elas armazenam chuvas, esporádicas ou não, para o uso doméstico. Isso torna os criadouros do mosquito mais abundantes, mesmo na ausência de chuva.
Em locais com precipitações frequentes, pode-se ter um risco menor de transmissão da doença, pois a chuva pode causar o transbordamento dos reservatórios de água antes de as pupas do mosquito se abrirem. Por outro lado, os períodos secos permitem tempo de retenção de água mais longos para que o ciclo de vida do mosquito seja concluído.
Tanques de abastecimento de água são mais comuns em áreas que carecem de um fornecimento constante do sistema de água corrente do município. Isso pode indicar um status socioeconômico baixo do bairro que, por sua vez, pode sinalizar outras características da comunidade, como a ausência de ar-condicionado (que significa temperaturas internas mais altas) e a presença de janelas abertas (que permitem maior acesso de mosquitos).
Essas características comunitárias podem ser deduzidas a partir do monitoramento da cobertura da terra e do seu uso com satélites e imagens aéreas. Os satélites também podem mostrar o quão urbanizada a paisagem é, o que sugere a probabilidade de criadouros do mosquito. Imagens de alta-resolução podem revelar a presença de locais que favorecem a reprodução, como tanques de água e pilhas de pneus abandonados.
Como os mosquitos se espalham nos países desenvolvidos
A falta de água corrente e a associação das características comunitárias são menos comuns em países desenvolvidos, como os Estados Unidos. No entanto, outras práticas em países desenvolvidos podem fornecer condições favoráveis para esses mosquitos prosperarem.
Por exemplo, túneis de vapor, que transportam vapor pela cidade para o aquecimento, e outros ambientes subterrâneos podem fornecer água constantemente estagnada em temperaturas favoráveis para vetores, mesmo durante o inverno nos estados mais ao norte. Na verdade, alguns casos desse tipo já foram relatados em Washington D.C., nos Estados Unidos.
Além disso, os verões são suficientemente longos nos estados do norte dos Estados Unidos para permitir a conclusão do ciclo de vida dos mosquitos. Teoricamente, se o vírus estiver presente, isso aumentaria a possibilidade de o mosquito adquirir o vírus localmente e o transmitir para um ser humano. Ademais, uma outra espécie de mosquito, o Aedes albopictus, pode transmitir dengue e, aparentemente, também pode sobreviver a invernos frios: ele foi detectado no condado de Marion, Indiana, em 1986, disse-me um biólogo de saúde pública do local. O Albopictus chegou nos Estados Unidos graças à globalização, em um carregamento de pneus do Sudeste Asiático.
A possibilidade de ter vírus como a dengue ou a zika em mosquitos locais dos estados do norte, como em Indiana, é ainda muito pequena, mas ela está crescendo. O aumento de viagens em todo o mundo é um fator importante para a transmissão das doenças. A zika tem sido relatada na literatura desde os anos de 1950 na África. Com o aumento das viagens, o vírus chegou às Américas – num momento em que El Niño está fornecendo condições favoráveis para a sua propagação. O que também contribui é a crescente urbanização, que oferece condições de cobertura de solo ideais para o Aedes aegypti prosperar e espalhar o vírus.
O recente surto da zika pode ser um prenúncio do que está para vir. Dados da Administração Atmosférica e Oceânica Nacional que remontam a 1950 mostram uma tendência de aumento da força dos eventos de El Niño.
Cientistas também sugerem que o crescimento na frequência de oscilação de El Niño está relacionado com as mudanças climáticas. Tudo isso indica uma necessidade crucial de monitorar de forma rentável as condições ambientais que levam aos surtos de doenças e identificar habitats adequados onde os mosquitos podem procriar. Os sensores estrategicamente localizados no espaço tornam este monitoramento mais possível e mais eficiente.
Este texto foi publicado originalmente no site The Conversation. Ele foi escrito por Max Jacobo Moreno-Madriñán, professor assistente de ciências da saúde da Universidade de Indiana.
Fonte: EXAME