29/04/2016

Mudança climática ameaça produção de cerveja

Cevada, água e lúpulo são ingredientes básicos da cerveja. Mas a planta aromática é sensível a oscilações do clima, e produtores dos Estados Unidos desenvolvem estratégias para contornar as ameaças às safras — e manter os preços.
“O lúpulo é o que gostamos de chamar de o tempero da cerveja”, conta Robbie OCain, cervejeiro-mestre da The Starr Hill Brewery, na Virgínia, uma das mais de 4.200 cervejarias dos Estados Unidos. O ingrediente acrescenta aroma e um ligeiro amargor à bebida. “Ele serve para dar equilíbrio, senão a cerveja seria bastante doce.”
A planta do lúpulo é uma trepadeira, que os cultivadores sustentam com varas e cordões, e dá flores verdes, de formato cônico. À distância, um leigo pode confundir as plantações com vinhedos. E, de fato, assim como as uvas, o lúpulo só prospera sob condições muito específicas.
O ingrediente é especialmente importante para as cervejarias americanas micro, nano e artesanais, especializadas em produtos com mais sabor, como as que vêm sendo abertas em praticamente todos os estados do país antes considerado verdadeiro deserto cervejeiro.
Mau tempo na Alemanha, boa safra nos EUA
Não faz muito tempo, parte dos produtores nacionais foi confrontada com notícias amargas: menores estoques de lúpulo à disposição e preços mais altos. “O ano passado foi péssimo para o cultivo na Alemanha: o tempo esteve muito ruim mesmo, cortando as safras entre 25% e 30%”, lembra OCain. “E nós usamos lúpulo alemão em todas as nossas lagers [variedade de cerveja de baixa fermentação].”
Por sorte, como a maioria das cervejarias estabelecidas, a Starr Hill fechara contratos fixando o fornecimento e os preços por vários anos. Em 2016, por exemplo, ela precisará de cerca de 20 mil quilos do produto para a produção das variedades pale ale, lager e stout. Porém as firmas menores ficaram em dificuldades para obter todo o lúpulo de que precisavam.
A história poderia ter um final feliz, pois em 2015 os plantadores americanos, por sua vez, produziram mais lúpulo do que a Alemanha, campeã tradicional do mercado. Contudo uma seca prolongada no oeste do país deixou apreensivos os cultivadores dos EUA.
Expandindo as áreas de cultivo
Em reação, os produtores americanos de lúpulo planejam construir mais reservatórios e adotar novas técnicas para conservar a água. “Com o uso de sensores de solo, os cultivadores podem monitorar minuciosamente a quantidade de umidade necessária à planta”, explica Ann George, que dirige a Hop Growers of America.
A organização é sediada no Pacífico noroeste, em que se cultiva 97% do lúpulo dos EUA. Ao leste das Cascade Mountains em Washington, Oregon e Idaho, o ar é seco, evitando que o míldio e outras doenças causadas por fungos ataquem as plantas. Em geral, a água necessária à irrigação flui livremente pelos córregos da montanha até os vales Yakima e Willamette, logo abaixo.
Nas noites de verão, o sol brilha até as 10 horas da noite na região. “Se você observar as principais zonas de cultivo do lúpulo, elas se concentram todas em volta do Paralelo 45. Isso é por causa da fotossensitividade da planta: nesta zona do planeta, ela floresce com muito mais abundância e rende safras bem maiores”, relata Ann George.
Contudo também em regiões onde as condições não são ideais, há agricultores americanos entrando no ramo do lúpulo. No estado da Virgínia, Stan Driver cultiva o produto para duas cervejarias nas Blue Ridge Mountains. A colheita ainda é pequenas, mas pesquisadores da vizinha Universidade Técnica de Virgínia também estão desenvolvendo variedades híbridas melhor adaptadas a essa região no Atlântico central.
Preparativos contra a mudança climática
Os cervejeiros, por sua vez, aproveitam a disponibilidade das flores recém-colhidas no campo, fazendo um ale especial com o assim chamado “lúpulo molhado”. “Usar lúpulo molhado é como usar ervas frescas em comparação com ervas secas: é uma explosão de aroma na cerveja”, descreve Driver.
O cultivo do lúpulo também começa a florescer em países como China, Argentina, Austrália e Nova Zelândia, complementando as safras dos “velhos” produtores Alemanha, EUA, Inglaterra, Bélgica, França e República Tcheca.
Especialistas saúdam a descentralização geográfica da produção, esperando que ela proteja o mercado das perdas regionais causadas pela mudança climática global. Os cervejeiros também experimentam diferentes variedades de lúpulo, assim como substitutos para outro ingrediente básico da bebida, a cevada, igualmente sensível a eventuais secas, tempestades e extremos de temperatura.
Os pequenos produtores de cerveja, por sua vez, vão se preparando para combater a mudança climática com a criação de um mercado online, o Lupulin Exchange, que compra excedentes de estoque de lúpulo de grandes companhias e os revende a cervejeiros artesanais de todo o mundo.
Autoria: Sandy Hausman (av)
Imagem: Freepik