03/04/2016

Yanomamis são contaminados por mercúrio na Amazônia


Viver em um território que tenha em seu subsolo grandes reservas de ouro pode parecer uma benção e um sinônimo de riqueza. Infelizmente, para os Yanomami, esta situação tem sido a sua maior maldição. Um estudo recente conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), mostra que a contínua invasão ilegal de garimpeiros em seu território tem trazido graves consequências: algumas aldeias chegam a ter 92% das pessoas examinadas contaminadas por mercúrio.

São muitos os garimpeiros que trabalham ilegalmente em nossos rios e além do desastre ambiental e social que causam, nós desconfiamos que nosso povo está sendo envenenado com o mercúrio utilizado pelos garimpeiros (Davi Kopenawa Yanomami, março de 2013).

Atendendo ao pedido da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Associação do Povo Ye’kwana do Brasil (Apyb), uma equipe de pesquisa visitou 19 aldeias, em novembro de 2014. Foram coletadas 239 amostras de cabelo, priorizando os grupos mais vulneráveis à contaminação: crianças, mulheres em idade reprodutiva e adultos com algum histórico de contato direto com a atividade garimpeira. Também foram coletadas 35 amostras de peixes que são parte fundamental da dieta alimentar destes índios. O estudo foi realizado nas regiões de Papiú e Waikás, onde residem as etnias Yanomami e Ye’kwana.

O caso mais alarmante foi o da comunidade Yanomami de Aracaçá, na região de Waikás, onde 92% do total das amostras apresentaram alto índice de contaminação. Esta comunidade, entre todas as pesquisadas, é a que tem o garimpo mais próximo. Já na região do Papiú, onde foram registrados os menores índices de contaminação — 6,7% das amostras analisadas — a presença garimpeira é menos acentuada.

Garimpo na Terra Indígena Yanomami

O garimpo já deixou marcas profundas no povo e no território Yanomami. Entre 1986 e 1990, estima-se que 20% da população (1.800 pessoas) morreu em função de doenças e violências causadas por 45 mil garimpeiros que invadiram suas terras.

A invasão e a tensão crescente do garimpo culminaram, nos anos de 1990, em um episódio de grande repercussão mundial por sua barbárie. Em julho de 1993, garimpeiros invadiram uma aldeia Yanomami e assassinaram a tiros e golpes de facão 16 indígenas, entre eles idosos, mulheres e crianças. Conhecido como o Massacre de Haximu, foi o primeiro caso julgado pela Justiça brasileira no qual os réus foram condenados por genocídio.

Assista abaixo ao vídeo “Davi contra Golias”, produzido pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), no qual Davi Kopenawa fala do Massacre do Haximu.

O garimpo continua sendo uma ameaça à vida dos Yanomami e Ye’kwana. Desde 2014, a invasão de seus territórios por garimpeiros cresce assustadoramente. Hoje, estima-se que cinco mil garimpeiros atuam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami. As diversas denúncias feitas pelos índios não têm resultado em ações efetivas dos órgãos governamentais responsáveis. Se nada for feito de concreto, um novo Haximu pode estar a caminho.

Para acabar com o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami é preciso que se descubra os seus financiadores, que são os que realmente lucram e sustentam esta atividade. É preciso descobrir a rota do ouro, ou seja, por onde passa e qual seu destino final.

Neste sentido, a Polícia Federal realizou duas operações que levantaram apenas a beira do manto que encobre esta atividade ilegal: a operação Xawara, em 2012, e a operação Warari Koxi, em 2015. Além de descobrirem alguns comerciantes e donos de avião em Roraima, também descobriram que o ouro chega a uma Distribuidora de Valores e Títulos Imobiliários (DTVM), na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo. Fica o alerta: o ouro comercializado nos grandes centros financeiros do Brasil pode carregar com ele o sofrimento do povo Yanomami.

Aspectos éticos da pesquisa

As coletas feitas em novembro de 2014 foram precedidas por consultas aos indígenas, que autorizaram a retirada de amostras de seus cabelos, com a condição de que após a análise elas seriam devolvidas. Este pedido se deve à obrigação de que, para os Yanomami, todos os pertences e partes corporais devem ser cremados após a morte. É também uma precaução adotada depois que tiveram conhecimento do caso de roubo de seu sangue por pesquisadores norte-americanos na década de 1970.

As coletas feitas em novembro de 2014 foram precedidas por consultas aos indígenas, que autorizaram a retirada de amostras de seus cabelos, com a condição de que após a análise elas seriam devolvidas. Este pedido se deve à obrigação de que, para os Yanomami, todos os pertences e partes corporais devem ser cremados após a morte. É também uma precaução adotada depois que tiveram conhecimento do caso de roubo de seu sangue por pesquisadores norte-americanos na década de 1970.

Tanto as consultas para autorização quanto a apresentação dos resultados foram feitas em língua indígena, com o auxílio de intérpretes e material explicativo bilíngue, visando garantir a compreensão por parte de todos os envolvidos na pesquisa.

Entrega para o poder público

Uma comitiva formada por lideranças Yanomami e Ye'kwana, e representantes da Fiocruz e do ISA, foram à Brasília, em março de 2016, para divulgar o diagnóstico junto aos órgãos responsáveis. A comitiva entregou cópias às Presidências da Funai e do Ibama, ao coordenador da Secretaria Especial de Saúde Indígena, ao Ministério Público Federal e à Relatora Especial sobre Direitos Indígenas da ONU, que estava em visita ao Brasil. As lideranças indígenas também exigiram a retirada imediata dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami e um atendimento especial em saúde para as pessoas que estão contaminadas.

Fonte: Portal Amazônia
Foto: Reprodução/Marcos Wesley/ISA