21/01/2016

Mobilidade de pesquisadores brasileiros é baixa ao longo da carreira, indica estudo



Estudo realizado por um grupo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que pesquisadores brasileiros tendem a trabalhar e a fazer carreira em regiões muito próximas às instituições em que cursaram a graduação, sugerindo uma baixa mobilidade dentro do país. Os autores, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, analisaram a distribuição geográfica de aproximadamente 6 mil pesquisadores vinculados a 101 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), redes de colaboração científica criadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelas fundações estaduais de amparo à pesquisa. Observou-se que apenas 20% dos pesquisadores trabalham a mais de 500 quilômetros (km) de distância da instituição onde começaram a trajetória acadêmica. A maioria fixou-se em empregos a menos de 100 km da universidade em que iniciaram a carreira. O fenômeno também foi percebido entre os pesquisadores que realizaram pós-doutorado no exterior: 81% retornaram ao Brasil e se estabeleceram nas regiões de origem.

O artigo, publicado em outubro na revista Plos One, confirma um padrão de carreira segundo o qual a maioria dos pesquisadores faz doutorado no país e só nos estágios de pós-doutorado estreita colaborações com grupos externos. “As trajetórias observadas em nosso estudo mostram a tendência do brasileiro de permanecer na mesma instituição ou região ao longo de toda a carreira”, observou Clodoveu Augusto Davis Junior, um dos autores do trabalho, cujo autor principal é seu aluno de mestrado Caio Alves. O estudo é parte de um esforço dos pesquisadores da UFMG em utilizar dados da Plataforma Lattes, que reúne 4 milhões de currículos acadêmicos, para estudar fenômenos e tendências da ciência brasileira. Por meio de técnicas de geoinformática, as informações extraídas dos currículos transformaram-se em mapas que revelam percursos de carreira dos pesquisadores.


O caso do paranaense Fabio Ribeiro de Camargo ilustra essa situação. Graduado em engenharia civil pela Universidade Federal do Paraná em 1985, ele deixou o país em 2009 para fazer doutorado em engenharia mecânica na Universidade de Leeds, no Reino Unido. Ao longo de mais de cinco anos em que ficou fora do Brasil, Camargo colaborou com grupos de pesquisa de outros países e passou curtas temporadas na Austrália, Japão e África do Sul. “A mobilidade permitiu com que eu me envolvesse com várias linhas de pesquisa e abriu oportunidades para que meu trabalho se tornasse conhecido lá fora”, conta Camargo.

Em 2014, ele passou férias no Brasil com a família. Durante a visita, foi convidado pela prefeitura de Curitiba para assumir o cargo de diretor de iluminação pública. O desafio era modernizar a gestão da iluminação da cidade, por meio do conceito de smart city, redes inteligentes que integram fontes de energia e dados de multisserviços, a fim de automatizar sistemas urbanos e evitar desperdícios. “Aceitei a proposta por se tratar de um novo desafio para minha carreira”, diz Camargo.

O estudo da UFMG revela que apenas 32% dos pesquisadores ligados a INCTs realizaram algum tipo de estudo avançado, como o pós-doutorado, em estados diferentes dos de sua origem ou fora do Brasil. O comportamento, porém, varia de acordo com a região. Por exemplo, São Paulo e os demais estados do Sudeste, analisados separadamente no artigo, são localidades onde a maioria dos pesquisadores é oriunda da própria região. Já Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul apresentam um padrão migratório temporário. Isso significa que uma fração expressiva de pesquisadores deixa essas regiões para fazer graduação, mestrado ou doutorado em outros lugares e, depois, retorna para trabalhar.

O artigo também indica que o contingente de brasileiros que se fixam no exterior é pequeno. Tais características contrastam com o cenário global. Um estudo publicado em 2010 por Linda Ana Carine Van Bouwel, da Universidade de Leuven, na Bélgica, mostra que metade dos estudantes europeus que foram para os Estados Unidos fazer doutorado em economia entre 1950 e 2006 acabou arrumando emprego naquele país. Do restante, a maior parte foi trabalhar em outros países da Europa e apenas uma minoria voltou para os países de origem.

A baixa mobilidade de pesquisadores no Brasil é explicada por peculiaridades do sistema universitário. “O estudo da UFMG confirma o esperado”, diz o sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. “Nas universidades públicas brasileiras, é difícil os pesquisadores mudarem de instituição, tendo em vista as regras de contratação do serviço público”, explica. Nesse modelo, o pesquisador é contratado como servidor público, o que favorece a fixação numa instituição muito cedo. No caso das universidades federais e em algumas estaduais, o ingresso de um novo docente ocorre obrigatoriamente no nível de professor auxiliar, independentemente da titulação, e a progressão entre um nível e outro da carreira pode exigir o intervalo de 24 meses. Isso desestimula pesquisadores com carreira consolidada a trocar de instituição.

“Se uma universidade deseja criar um centro de estudos sobre a China, por exemplo, não vai procurar algum especialista consagrado nessa área, como acontece em instituições dos Estados Unidos e da Europa. O costume aqui no Brasil é buscar algum interessado entre os professores em início de carreira e formá-lo no assunto”, explica Elizabeth Balbachevsky, professora da Universidade de São Paulo (USP). No caso do sistema universitário norte-americano, a mobilidade é maior, em parte porque as instituições negociam condições específicas de contratos, quando estão interessadas em atrair determinado profissional.

Edgar Zanotto, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ressalta que, nos Estados Unidos, é comum que pesquisadores recebam ofertas de trabalho, já que o sistema segue a lógica de mercado. “Ter os profissionais mais qualificados implica oferecer bons salários”, diz Zanotto, que é professor da UFSCar há 39 anos. Segundo ele, nas universidades brasileiras os salários são similares. “Todos os professores de uma mesma categoria recebem aproximadamente o mesmo valor.”

O pesquisador reconhece que se enquadra no perfil apresentado pelo estudo da UFMG: durante a década de 1970, fez graduação em engenharia de materiais na UFSCar, onde foi contratado em 1976 como professor auxiliar. Entre 1979 e 1982 morou na Inglaterra, onde fez o doutorado na Universidade de Sheffield, e logo depois retornou à UFSCar como professor adjunto. Mesmo assim, buscou internacionalizar a carreira por meio de colaborações com grupos do exterior e passando períodos como professor visitante em instituições da Itália e dos Estados Unidos. Zanotto explica que a principal razão para permanecer por mais de três décadas numa mesma instituição foram os laboratórios de materiais vítreos que montou. Segundo ele, é natural que nas áreas de ciências exatas e biológicas, em que há a necessidade de equipamentos e infraestrutura laboratorial, o pesquisador procure estabelecer vínculo institucional. “Levei anos para montar essa estrutura. Juntos, os laboratórios têm 900 metros quadrados e abrigam equipamentos sofisticados. Não posso levá-los comigo caso decida mudar de instituição”, observa.

Para o físico Ronaldo Mota, reitor da Universidade Estácio de Sá, do Rio, e especialista em política científica e educacional, a ideia de que o pesquisador precisa ter um laboratório próprio e, para isso, tenha que se fixar em um local, está mudando no país. “Hoje em dia existem cada vez mais as chamadas facilities, laboratórios compartilhados que garantem acesso a equipamentos modernos para múltiplos usuários”, afirma Mota.

A circulação de pesquisadores pode contribuir para oxigenar a produção científica dentro das instituições. Simon Schwartzman alerta que a baixa mobilidade pode favorecer a endogenia na universidade, quando professores dão preferência para contratar seus ex-alunos. “Isso não é saudável, porque não traz outras perspectivas e visões de mundo para dentro de um departamento”, diz. Uma maneira eficaz de as instituições se renovarem e inovarem é trazer pessoas de outros lugares. “A mobilidade ajuda a diversificar as culturas e as maneiras de pensar criticamente”, afirma. Uma saída encontrada por muitos pesquisadores para superar os limites da mobilidade é estabelecer redes de colaboração com pesquisadores de outras instituições.



O número de colaborações tem avançado no Brasil. Um estudo publicado em 2014 revela que, entre 2008 e 2010, ocorreu quase 1 milhão de colaborações científicas entre pesquisadores brasileiros, em contraste com as cerca de 63 mil observadas entre 1990 e 1992 (ver Pesquisa FAPESP nº 218). “Quando precisamos de um pesquisador qualificado, criamos uma rede de colaboração”, relata Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador do INCT de Observatório das Metrópoles. Hoje, a equipe coordenada por ele envolve pessoas de Belém, Goiânia e Brasília, entre outros, sem que, para isso, fosse necessário contratá-las.

Já as interações entre brasileiros e estrangeiros são menos numerosas. Em tese de doutorado defendida em 2010, Samile Vanz, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou que os artigos de pesquisadores brasileiros escritos em parceria com estrangeiros estacionaram na casa dos 30% e vêm crescendo, em números absolutos, num ritmo menor do que as colaborações internas. “Hoje, os pesquisadores daqui interagem mais com grupos internacionais do que no passado. Mas ainda é pouco, quando comparamos com outros países da América Latina, como Chile e México”, avalia Ronaldo Mota.