11/01/2016

O uso do teatro para a formação médica

O médico Marco Antonio de Carvalho Filho, da Unicamp (Foto: Fernando Pacífico / G1 Campinas)


Mímica, improviso, gestos curtos, expressões de drama, alegria, pés descalços e cenas absurdas. Não, não é uma aula de teatro. Ou melhor, é sim, não para a formação de atores, mas para formação de médicos. Divididos em grupos ao longo do quarto semestre do segundo ano do curso de Medicina, alunos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp participam de um conjunto de aulas onde técnicas de improvisação no teatro são utilizadas para desenvolver habilidades de comunicação. 

“Empatia, compaixão e caridade estão relacionados diretamente à capacidade de se colocar no lugar do outro. Cada paciente é um. E este um precisa ser conhecido. Não existem scripts, roteiros de doenças, sejam técnicos ou afetivos, capazes de contemplar a individualidade de cada paciente. Neste contexto, acreditamos que o médico deve se comprometer com a aquisição de habilidades de comunicação para guiá-lo ao universo do paciente, fazer uma boa consulta e ajudar”, explica o médico Marco Antonio de Carvalho Filho que ministra o curso “Teatro para o ensino da relação médico-paciente” dentro da disciplina denominada MD444 – Laboratório de Habilidades 2.

De acordo com Marco, o diálogo é a pedra fundamental do trabalho do médico. Durante a entrevista com o paciente é preciso desenvolver o vínculo, inspirado pela confiança e amizade, obter informações a respeito da vida do paciente e de suas doenças, formular o diagnóstico e suas implicações, identificar os elementos que serão utilizados no plano terapêutico, comunicar isto tudo ao paciente de forma gentil e generosa, e, finalmente, estar disponível para negociar todas estas etapas com o maior interessado, que é o próprio paciente

A medicina está cada vez mais complexa, e a abordagem diagnóstica e terapêutica das doenças acompanhou este aumento de complexidade. Este processo prende a atenção do médico que precisa cada vez mais se empenhar em se manter atualizado. Neste caminho em direção à qualificação técnica, eventualmente, o médico pode parecer mais frio ou desumano. Neste contexto, o ambiente emocional perde espaço para o ambiente técnico. Assim, o médico fica confortável para conversar sobre o funcionamento do cérebro ou da remodelação cardíaca. Ele descreve com precisão uma técnica cirúrgica, mas tem dificuldade de comunicar ao paciente o diagnóstico de um câncer, abordar as dificuldades relacionadas ao envelhecimento ou até mesmo falar sobre morte, que passa a ser um tabu.

“Como professores de medicina, estamos acostumados a desenvolver estratégias pedagógicas para o ensino de bioquímica, anatomia, clínica, cirurgia, pediatria, etc. Mas, nos últimos anos, houve uma fragmentação dos estágios curriculares e pulverização dos modelos de prática. O tempo de exposição dos alunos a cada professor diminuiu. Para abordar este problema precisamos modificar nossas práticas pedagógicas e aprender com outras profissões que tenham desafios semelhantes”, explica o médico Jamiro da Silva Wanderley, responsável pela disciplina. 

Segundo Jamiro, os profissionais do teatro estão acostumados a treinar as pessoas a se colocarem no lugar de outras, mantendo sua individualidade ao longo deste processo. O ator mergulha no personagem para reinventá-lo com sua leitura, assim como o médico tenta ajudar o paciente a ressignificar sua vida a partir da nova realidade da doença. 

No jogo teatral da improvisação, o ator tem um script prévio, que será adaptado a realidade da cena. O ator se utiliza da inteligência cênica, para garantir que os objetivos estão sendo alcançados. Na consulta médica, o médico ou o estudante de medicina tem um script da consulta e da doença, que será adaptado à realidade do paciente e da própria consulta. 

O resultado desse trabalho – inédito – que conta com a participação de atores do Instituto de Artes da Unicamp, é refletido nos depoimentos anônimos dos alunos na avaliação final do módulo: “O curso me possibilitou refletir bastante sobre a minha vida, sobre as minhas escolhas e ações diárias”; “O curso apresentou, por meio de métodos inovadores, diversas habilidades essenciais à prática médica e ao convívio social”; “Descobri uma habilidade de comunicação em mim que eu nem imaginava que tinha, principalmente com as atividades de improvisação”; “Percebi, também, como é importante o modo como o médico age e como ele deve perceber o estado emocional do paciente para interagir com ele” – escrevem os alunos. 

“O médico precisa estar inteiro na consulta, atento ao paciente, aos sinais, àquilo que não é dito, às expectativas, em particular quando se trata de emoções, para que sejam criados o vínculo e a confiança. Esse curso é uma ideia embrionária. O conceito de inteligência cênica pode ser adaptado à consulta médica. Sermos capazes de “nos observar” enquanto consultamos, pode ajudar a garantir que os objetivos da consulta sejam alcançados, tanto os técnicos, quanto os afetivos”, explica Marco.

Por Edimilson Montalti
Publicado em UNICAMP