Sol intenso ou excesso de sombra. Muito frio ou muito calor. Vento forte ou sem ventilação: os moradores de favelas precisam, muitas vezes, conviver com extremos climáticos. Mas ao realizar uma pesquisa em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, o arquiteto Eduardo Pimentel Pizarro desenvolveu algumas estratégias que podem trazer maior conforto ambiental aos moradores.
“Quando baseada em estudos técnicos e ambientais, a forma de assentar tijolos e blocos traz mais ventilação ao ambiente e protege da incidência direta do sol, o que leva ao aumento da qualidade ambiental no espaço interno das residências. Para uma fachada oeste, por exemplo, o morador pode utilizar um determinado tipo de assentamento e um certo tipo de tijolo. Ao mesmo tempo, as fachadas das construções podem estimular uma série de atividades no espaço externo, como um banco retrátil, ou uma estante de compartilhamento de objetos pela comunidade “, explica Pizarro.
O arquiteto se baseou em materiais já utilizados pelos moradores, como tijolo maciço, bloco cerâmico vazado e blocos de concreto. Ele publicou, no jornal que circula na favela, um texto com “12 Passos” para os moradores aplicarem alguns desses conceitos na prática, mas uma ideia futura é produzir uma cartilha.
Vãos Livres
A outra estratégia é um pouco mais complexa, pois demandaria investimento no reforço das estruturas das construções e a gestão participativa dos moradores e do poder público. Pizarro explica que a grande maioria dos prédios tem 3 ou 4 andares. Cada pavimento, usos e acessos são independentes. “A proposta é criar vãos livres em alguns pavimentos para a passagem de ventilação, acesso ao sol e criação de espaços públicos. Seria preciso deslocar os moradores ou para o andar de cima ou para a construção ao lado e tirar todas as paredes daquele pavimento”, sugere.
Segundo Pizarro, essa estratégia é uma forma de trazer mais conforto ambiental à favela, mantendo a população no local e com o mesmo modo de vida. “Alguns estudos mostram que muitos moradores, ao se mudarem para prédios de projetos de urbanização, não se acostumam e acabam retornando”, justifica.
O arquiteto lembra que, em Paraisópolis, apesar de ter sido iniciado um processo de regularização fundiária, as pessoas não têm a posse formal da terra e sim o usufruto. “Podemos considerar esse fato como uma oportunidade para, diante de uma intervenção governamental, repensar a favela de forma participativa, envolvendo toda a população e o poder público para os benefícios serem coletivos.”
Essas são algumas das estratégias que o arquiteto desenvolveu em sua dissertação de mestrado, com método de pesquisa inédito no país, Interstícios e interfaces urbanos como oportunidades latentes: o caso da Favela de Paraisópolis, São Paulo. A pesquisa foi realizada na modalidade sanduíche na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e na Architectural Association Graduate School, em Londres (Inglaterra), sob orientação da professora Joana Carla Soares Gonçalves, e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Interstícios urbanos
A pesquisa partiu do conceito de “interstícios urbanos”. A expressão vem do inglês “spaces in-between the buildings”: trata-se de tudo aquilo que está entre os edifícios e construções, como calçadas, ruas, praças, quintais, etc. O objetivo foi entender os espaços invisíveis de Paraisópolis e como esses interstícios podem ser articulados para constituir uma infraestrutura que traga benefícios ambientais, urbanos e sociais para a comunidade. O objetivo final da pesquisa era o de, efetivamente, oferecer respostas propositivas à melhoria da realidade de favelas consolidadas, como é o caso de Paraisópolis.
Entre 2013 e 2014, o arquiteto realizou visitas de campo, onde observou esses interstícios. Ele mediu temperatura, umidade e velocidade do vento em diversos pontos externos e em algumas casas (sala e quarto). Na etapa analítica, e com a ajuda de softwares, ele obteve algumas simulações do que poderia ser feito para diminuir a temperatura e trazer mais conforto ambiental.
Para o arquiteto é preciso olhar para a favela buscando lições que poderiam ser aplicadas na cidade como um todo, mas não de modo romântico, e sim como o início de uma forma de discussão de propostas. “É possível pensar em outras formas de intervenção que não sejam os predinhos de classe média, que se costuma fazer. Seria interessante algo mais sistêmico, que não reproduza os pontos negativos do restante da cidade”, finaliza Pizarro.
Prêmio
A proposta de Pizarro obteve a primeira colocação no LafargeHolcim Forum Student Poster Competition, evento realizado de 7 a 9 de abril em Detroit, nos Estados Unidos, pela LafargeHolcim Foundation, empresa da área de cimentos sediada na Suíça.
A favela de Paraisópolis tem cerca de 80 hectares e, segundo as lideranças locais, possui cerca de 100 mil habitantes.
Fonte: Valéria Dias/Jornal da USP
Foto: Eduardo Pimentel Pizarro