Frankenstein, a história de um cientista que traz um cadáver à vida, causando sua própria desgraça, há dois séculos representa a ansiedade ante o implacável avanço da ciência.
Para comemorar os 200 anos da primeira vez em que a inglesa Mary Shelley imaginou a célebre história de terror durante uma visita a uma Suíça chuvosa, a exibição 'Frankenstein, a criação da escuridão' será inaugurada em Genebra na sexta-feira.
No amplo e mal iluminado subsolo da Fundação Martin Bodmer, uma longa fila de mostruários de vidro exibem 15 manuscritos amarelados de um caderno onde Shelley escreveu, em 1816, a primeira versão da que é considerada uma obra-prima da literatura romântica.
"...Eu contemplei o desgraçado - o miserável monstro que eu tinha criado; ele levantou a cortina, e seus olhos, se é que se pode chamá-los de olhos, estavam fixados em mim", escreveu Shelley.
A inspiração para o "miserável monstro" veio quando, com apenas 18 anos, a escritora foi com o futuro marido, o poeta inglês Percy Bysshe Shelley, para uma mansão de veraneio - a Villa Diodati, alugada pelo célebre literato Lord Byron - nos arredores de Genebra.
Os atuais proprietários da mansão pitoresca com vista para o Lago de Genebra também irão abrir os seus jardins exuberantes para visitas guiadas durante a exposição, que vai até 9 de outubro.
O desafio de Lord Byron
Embora o local hoje seja agradável, com lilases transbordando dos terraços e arcos cobertos de rosas ao longo de calçadas de cascalho sinuosas, no verão de 1816 a atmosfera era mais sombria.
Uma grande erupção do vulcão Tambora na Indonésia afetou o clima global daquele ano, e um relatório sobre o tempo em Genebra de então, exibido na mostra, menciona que em junho "nenhuma folha" tinha aparecido ainda nas árvores de carvalho da região.
Para passar o tempo, o poeta Lord Byron lançou um desafiou ao grupo de literários boêmios reunidos na mansão: cada um deles deveria inventar uma história de fantasmas - o que resultou em vários textos famosos.
O médico e autor inglês John Polidori teve a ideia para o livro 'O Vampiro', que foi publicado três anos depois e é considerado pioneiro no gênero literatura de vampiros, que inclui obras como 'Drácula', de Bram Stoker.
O livro de Polidori é uma das primeiras edições exibidas na mostra de Genebra, incluindo três cópias do clássico de Mary Shelley 'Frankenstein ou o Moderno Prometeu' - a história mais famosa que surgiu na competição.
Quando foi publicado pela primeira vez, em 1818, o livro não trazia inscrito o nome de Shelley, e em uma das edições amareladas da exposição, apresentada como um presente para o homem que inspirou a sua criação, lê-se apenas: "Para Lord Byron, do autor".
"O nome dela era desconhecido, e não teria ajudado nas vendas do livro. Principalmente (por ser) um nome feminino", explicou David Spurr, professor de literatura inglesa da Universidade de Genebra e curador da exposição.
Tentando 'brincar de Deus'?
Apesar da pouca idade, Mary Shelley - filha do filósofo político William Godwin e da filósofa feminista Mary Wollstonecraft - sentia uma angústia generalizada ante o crescente poder da ciência e da tecnologia.
O livro não revela a "faísca de vida" secreta que Victor Frankenstein descobre e usa para trazer sua criatura à vida, mas o resultado de sua arrogância é retratado em todo o seu horror.
Rejeitado por seu criador, a criatura se transforma em um monstro vingativo que mata o irmão mais novo de Frankenstein, seu melhor amigo e sua amada na noite anterior ao seu casamento.
Mais do que simplesmente marcar o 200º aniversário da concepção de Frankenstein, a exibição, junto com uma série de atividades, busca ressaltar que a obra permanece altamente relevante em um momento em que a ciência e a tecnologia avançam de forma perigosamente rápida, disse Spurr.